Em 'A loba de Ray-Ban', Christiane Torloni retoma peça da qual participou há mais de 20 anos, agora com o texto original

julho 20, 2010


Artur Xexéo

RIO - Quando Christiane Torloni, na próxima sexta-feira, entrar no palco do Teatro Carlos Gomes na primeira representação carioca da peça "A loba de Ray-Ban", ela não vai estar sozinha. Ao seu lado estarão Dina Sfat, Bibi Ferreira, Maria Della Costa, Cacilda Becker, Fernanda Montenegro e todas as mulheres que marcaram fortemente o teatro brasileiro das últimas décadas. Nas cerca das duas horas seguintes, quando ela estiver na pele de Júlia Ferraz, a consagrada atriz que é dona de uma companhia de teatro e que, numa só noite, sofre com a partida do ator que foi seu marido por dez anos e da atriz que namorava nos últimos tempos, o público vai identificar todas essas mulheres e outras mais, muitas das peças que marcaram as trajetórias dessas atrizes, muito do amor que esse tipo muito específico de ser humano, a atriz, sente pelo palco.

"A loba de Ray-Ban" é uma bela história de teatro. Mas a melhor história de teatro que ela carrega é contada nos seus bastidores e envolve seu autor, Renato Borghi, seu diretor, José Possi Neto, seu ator e produtor, Leonardo Franco, e, claro, sua atriz e produtora, Christiane Torloni. E revela como, numa experiência provavelmente inédita no teatro brasileiro, esses quatro artistas reuniram-se para retomar um texto que haviam montado mais de 20 anos atrás e mostrá-lo de forma completamente diferente.

A história que envolve "A loba de Ray-Ban" começou em 1986, quando Borghi escreveu... "O lobo de Ray-Ban". A peça narrava a longa noite de loucura vivida por Paulo Prado, um ator consagrado, dono de uma companhia teatral, que, após ser abandonado, de uma só vez, pelos dois grandes amores de sua vida, tem um ataque de nervos no meio de uma representação de "Ricardo III", de Shakespeare. A partir daí, ele comanda uma prestação de contas afetivas e sexuais com a ex-mulher, a atriz Júlia Ferraz, e o namorado, o jovem ator Fernando Porto. Borghi estava inseguro.

- Antes, eu tinha escrito "A estrela Dalva", que foi muito mal aceita pela crítica - conta ele. - Cheguei a duvidar se eu era mesmo um autor. Resolvi, então, ler o texto para uma grande amiga.

A amiga era Dina Sfat, que, após a leitura, deu um conselho inusitado a Borghi: "Troca. E se o personagem principal, em vez de um ator, fosse uma atriz? Porque o teatro brasileiro é um matriarcado: Cacilda, Maria, Fernanda..."

Borghi acatou a ideia, e, em oito meses, transformou "O lobo..." em "A loba...". Paulo virou Júlia, Júlia virou Paulo e Fernando virou Fernanda. Mas essas não foram as principais modificações.

- Não se passa, automaticamente, de um universo masculino para um feminino. Eu sinto que é outra peça - analisa Renato Borghi.

"Ricardo III" transformou-se em "Medeia". O teste para a escolha de um novo integrante da companhia deixou de ser com o texto de "Eduardo II" e passou-se a usar "As criadas". Uma rápida cena de "Esperando Godot" (uma homenagem a Cacilda) foi mantida. Mas, principalmente, as difíceis relações que movem um explosivo triângulo amoroso teatral passaram a ser mostradas sob um ponto de vista feminino.

Quando a peça ficou pronta, Dina já estava muito doente (a atriz morreu em 1989) e não pôde montá-la. Borghi, então, voltou a mostrar "O lobo..." para atores. A peça acabou caindo nas mãos de Raul Cortez, que a montou com direção de José Possi Neto e Christiane Torloni como a ex-mulher.

- Foi um divisor de águas ma minha carreira - analisa agora Christiane. - Eu e Raul tínhamos tesão em cena. Havia uma tensão sexual no palco. Era muito quente. Foi um encontro de almas.

A peça estreou em São Paulo no finzinho de 1987, ganhou todos os prêmios daquele ano (para autor, diretor e ator) e ficou quatro anos em cartaz. Leonardo Franco entrou tarde no projeto. Quem estreou como Fernando, o jovem ator que quebra a harmonia entre Paulo e Júlia, foi Renato Modesto. Na temporada carioca, ele foi vivido por Tadeu Aguiar. Leonardo chegou quando a peça excursionou pelo Nordeste (e Christiane também foi substituída por Patrícia Pillar).

Leonardo Franco ficou pouco mais de um ano na peça. Foi pouco tempo, mas, graças a ele, a saga do Lobo/Loba continua viva.

- Estava em início de carreira e descobrindo o teatro que dá certo - conta ele. - Quando a temporada acabou, fiquei frustrado de não poder continuar o trabalho. Sentia que a minha história com a peça não tinha se completado.

==> Leia a crítica de 'A loba de Ray-Ban' no site do RioShow

Fonte : O Globo


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