Joana Darc - A Re-volta

novembro 17, 2007



Um dos trabalhos de maior expressão de torloni no teatro foi a montagem de Joana Darc A Re - Volta, com direção de José Possi Neto. A Joana é apresentada sob a ótica feminina contemporânea e a história foi montada a partir da pesquisa de registros originais dos processos de julgamento de Joana Dar'c.

Trata-se de uma das encenações mais performáticas de Torloni, pois lhe exigiu uma forma física impecável: ela pula,fica pendurada de cabeça para baixo e se enrola em cordas como uma verdadeira trapezista.

Sem contar as entradas no palco em cima de motos possantes.
Esta montagem demonstra a ousadia de Torloni, dando continuidade ao que ela chama de teatro físico, uma verdadeira ginástica em pleno palco.A sua interpretação de Joana transmite ao público um olhar bastante crítico das condições de submissão a que a mulher estava submetida na época, e a Joana de Torloni é revolucionária, revoltada e luta contra essa opressão. A peça trata da força e da garra de uma mulher que se destacou por ser diferente da mulher convencional de sua época. Afinal, uma mulher que chefiou um exército, saiu da casa dos pais e se vestia como homem, além de dizer que ouvia vozes era uma verdadeira ameaça aos paradigmas dominantes, o que levou Joana a ser condenada como louca.
A peça contou com várias cenas marcantes, entre elas, a que Joana é estrupada, na qual Torloni consegue, com grande competência, passar a dor e a
revolta da personagem naquela situação de extrema humilhação.


Joana era um mulher forte, guerreira e nem sob torturas, das mais ediondas, ela perdeu a força do seu olhar, olhar este que inspirava esperança e vontade de vencer.
Joana ficará marcada na carreira de Christiane, como também ficará marcada na história do teatro. e no coração dos fãs.



Abaixo colocarei uma entrevista que a Chris concedeu para o Estado de São Paulo em 07/07/1999




Christiane Torloni desmistifica Joana Darc




Com uma carreira montada na trilha de mulheres marcantes, a atriz agora vai à França do século 15 para morrer na fogueira em peça da americana Caroline Gage

NORMA COURI

Especial para o Estado

Morta num incêndio na sua última aparição na TV, Christiane Torloni não se conformou com o destino trágico de algumas mulheres guerreiras, transgressoras da ordem social ou incômodas. Assim aconteceu, em pleno fim do século 20, na telenovela Torre de Babel, quando Rafaela, uma das parceiras homossexuais, foi queimada viva na explosão de um shopping center ordenada pela Igreja e setores conservadores da sociedade.

Assim, na fogueira, acabaram muitas mulheres lascivas e sensuais tachadas de bruxas pela Inquisição. E assim acabou, na França do século 15, Joana d'Arc: aos 13 anos ouviu vozes do arcanjo São Miguel e das santas Margarida e Catarina incumbindo-a de salvar a França, aos 16 convenceu o rei Carlos VII a entregar-lhe a direção do Exército francês para libertar o país das mãos dos ingleses, aos 19 era traída, vendida aos inimigos e queimada em Rouen. Nessa fogueira, Christiane está prestes a entrar.

Ela vai viver Joana d'Arc no palco este ano na peça escrita pela americana Caroline Gage, traduzida por Maria Adelaide Amaral e dirigida por José Possi Neto. Nos Estados Unidos, encenada pela própria autora, foi um sucesso.

A história de Joana d'Arc sempre deu ibope no cinema, no teatro, na literatura. Shakespeare, Jean Anouilh, Mark Twain, Bernard Shaw, Bertolt Brecht, Anatole France, Paul Claudel apresentaram Joana em forma de oratório, de versão contemporânea, de biografia ao pé da letra, de bandeira política socialista, de criação visionária ou poema de cavaleiros medievais. Nas telas a virgem herética foi grande produção em 12 quadros de Georges Meliès, superprodução épica de Cecil B. DeMille, clássica na sua paixão retratada por Carl Dreyer, famosa nas mãos de Roberto Rosselini e Robert Bresson e com características hollywoodianas na versão de Otto Preminger.
Christiane tem montado a carreira de 22 anos na trilha de mulheres marcantes. Ela já foi Joana, a guerrilheira, no filme Bom Burguês, de Oswaldo Caldeira. No teatro, como Salomé, símbolo da mulher ultrajada que exigiu na bandeja a cabeça do objeto de seu desejo, ela percorreu o País todo pela última vez há dois anos. Antes tinha sido a "loba" Júlia em Lobo de Ray Ban, de Renato Borghi. Na telinha viveu da íntegra Dora de Kananga do Japão à Dinah que transitava entre o céu e a Terra em A Viagem. Casada e descasada muitas vezes - por exemplo com o ator e diretor Denis Carvalho e o psicanalista Eduardo Mascarenhas --, Christiane é mulher de escolher o próprio papel na vida e brigar por ele.

Agora, aos 42 anos, escolheu a santa e feiticeira Joana d'Arc, cujas cinzas e coração foram atirados ao Sena. É bom conferir. Porque Christiane tem talento, bom faro e sabe o que faz. Mesmo sabendo da responsabilidade de ser Joana d'Arc: esse papel já foi de Marie Falconetti, Ingrid Bergman, Jean Seberg, Hedy Lamarr, Geraldine Farrar e, no Brasil, de Maria Della Costa em O Canto da Cotovia, de Anouilh. Metade do custo de montagem de R$ 600 mil já foi captada. O título em português é sugestivo: Joana Dark - A Re-Volta.



Estado - Por que a Joana d'Arc de Caroline Gage?

Christiane Torloni - Porque é uma autora contemporânea que só escreve para mulheres e tem uma produtora chamada No to Men Productions.

Estado - Por que o texto da Caroline e não o de Bernard Shaw por exemplo?

Christiane - Porque já encenei o texto do Shaw sobre a tortura da Joana d'Arc num trecho embutido na peça 10 Elevado a Menos 43 - Êxtase, uma colagem montada em Portugal. A cena é brilhante, mas o restante da peça é palavrosa demais. Não quis repetir a montagem de colcha de retalhos, lição que aprendi em Portugal e não repeti em Salomé.

Estado - A diferença foi escolher um texto só de um autor consagrado?

Christiane - Autor acima do bem e do mal. Um clássico de Oscar Wilde, não preciso ficar defendendo a história. Como a Joana, Salomé perseguiu-me durante muito tempo.

Estado - Como?

Christiane - Recebi cinco convites para montar várias Salomés por pessoas que não sabiam da minha decisão prévia. Era um sinal repetitivo e o que o artista faz é ler, materializar, traduzir esses sinais. Em Portugal um grupo queria que eu montasse a Salomé. Minha prima chegou de Paris trazendo um presentinho que era o texto da Salomé. Salomé só faltou arrombar minha porta. Aí fiz e valeu a pena.

Estado - Por quê?

Christiane - Ouvi minha intuição e a interpretei com coragem. O diretor José Possi Neto desenhou uma cena perturbadora de transparências, imagens, calores. A trilha sonora foi composta em cima do tapete mágico do texto do Oscar Wilde. Eu tinha 5 toneladas de água em cima. A gente não colocou a Salomé no terraço do Herodes, mas debaixo de uma cisterna idealizada pelo Felipe Crescente -- João Batista ficava mais embaixo ainda. As fotos de Vânia Toledo viraram um programa que era calendário de um mito feminino que é arquétipo da rejeição de seu amor.

Estado - Joana d'Arc também perseguiu você?

Christiane - Salomé e Joana d'Arc são elos de um colar. O trabalho da gente acaba sendo de uma enorme coerência se você estiver alinhada com sua intuição: não consigo decifrar, mas sei que vai chegar. Aí muda o único registro do ator, a sua cara, o corpo.

Estado - Você já se sente Joana d'Arc?

Christiane - Ainda estou concebendo a Joana. Ainda não sei como será a cara dela, que pertence à versão americanizada dark - ligada a breu, escuridão, negro. O texto bota fogo na reflexão que eu gostaria que a mulher tivesse no terceiro milênio - só vai entrar no século 21 quem já estiver falando no novo agora.

Estado - O que o terceiro milênio tem a ver com uma menina analfabeta, pura, inocente, visionária que foi queimada numa fogueira no século 15?

Christiane - Ela foi queimada na fogueira da vaidade masculina porque ouvia vozes aos 13 anos. Ouve Santa Catarina, Santa Margarida e São Miguel dizendo que é sua missão reunificar a França invadida pelos ingleses e coroar o rei. Os franceses já se estão entregando, politicamente divididos, incluindo o clero. Joana é força bruta...

Estado - ...e expressão da coragem feminina.

Christiane - Com o país em plena guerra ela pede uma comitiva ao governador e um encontro com o rei. O governador toma-a por louca e avisa que ela deve partir antes que os soldados dele a estuprem. Ela volta vestida de homem e aí o governador cede a escolta. Analfabeta e camponesa, Joana vai procurar o rei, que está fragilizado porque saiu de Paris e não tem certeza se é ou não filho bastardo. Joana o localiza disfarçado no meio da multidão, diante de um bobo da corte que se faz de rei. A primeira frase que diz é resposta a uma prece feita no dia anterior: ela diz que ele é filho legítimo e ao mesmo tempo pede um Exército. Ele dá.

Estado - Não é tão fácil assim.

Christiane - Até porque fazem um exame para ver se ela é virgem, o que na época da Inquisição era um elemento a favor do caráter da mulher. A própria rainha participa. Então, Joana sai chefiando o Exército francês. Em dois anos reunifica a França e vence todas as batalhas, humilhando os generais que querem vê-la morta. É ela quem coroa o rei. Todo mundo que deveria estar sentado ao lado do rei está na platéia de coadjuvante. Ao lado do rei está uma ninguém, vestida com armadura, que rouba a cena dizendo que finalmente a vontade de Deus e o destino estavam cumpridos.

Estado - A cena da coroação é a condenação dela.

Christiane - Surge o boato de que ela era uma enviada. Imagine o rei coroado por alguém que ouve vozes! Abandonam Joana numa batalha. Sobem a ponte levadiça do castelo e a deixam para trás. Ela é presa, responde a um inquérito militar, em vez de os franceses pagarem resgate são os ingleses inimigos que compram Joana dos franceses.

Estado - Ela é traída por todo mundo.

Christiane - Menos pelo povo. Ela estava disposta a salvar a França, mas a França não estava interessada. A França, não, o rei da França. O bispo também não é a França. O interrogatório dela dura oito meses com três sessões diárias e um dos bispos está do lado dos ingleses quando a França é reunificada. Joana é entregue aos ingleses que se realinham com a França reunificada. De novo, é uma peça política.

Estado - Começa o processo da bruxaria.

Christiane - Os ingleses entregam Joana à Inquisição, no julgamento há teólogos, padres, bispos e ela não entende o que querem dela, vai dando respostas desconcertantes, há uma divisão. Tem um bispo a favor, que se encanta com a inteligência dela e é ameaçado de ir junto para a fogueira.

Estado - Ela não imagina que vai acabar queimada.

Christiane - Ela acha que vai salvar-se. Ouviu que seria libertada. Tinha pavor do fogo, mas era atrevida. Figura andrógina, cria boataria, a condenação dela é pelas roupas que usava, por ter abandonado a casa dos pais, porque ouve vozes e porque não acreditava nem autorizava a Igreja a dizer o que ela deveria pensar, sonhar e fazer. Por ela estar trabalhando fora, digamos. Vestiu roupa de negócios e foi para o mercado de trabalho que, naquela época, era a guerra. Ela vai ser queimada dentro daquele mercado. Vai dando respostas de uma inteligência incomum, tem só 19 anos. Você vai acompanhando os fatos e vai dando uma ira; 500 anos não é tanto tempo assim.

Estado - Por que as pessoas vão interessar-se pelo assunto neste fim de século?

Christiane - Como Salomé, Joana engloba os adjetivos de prostituta a sacerdotisa e rainha. Ela é tão engrandecida quanto desqualificada, chamada de perversa, vadia, santa, guerreira, libertadora. Caroline Gage quer dizer que a mulher de 500 anos atrás é a mesma mulher de hoje, infelizmente.


Estado - Por exemplo?

Christiane - Você pode torturar uma mulher de várias maneiras, partir essa mulher em duas, mente e corpo. Você desqualifica o corpo, a roupa que ela está usando, vai quebrando a sua auto-estima até que ela se sinta um nada. Ou você pode confundir a mente dela de forma que ela comece a desconfiar de não ser sensata ou racional. Um homem pode fragilizar uma mulher a ponto de ela desconfiar que está louca.

Estado - Isso não está muito longe da Inquisição?

Christiane - Há 500 anos uma pessoa sonhava com a vizinha e denunciava a mulher dizendo que ela o tinha tentado. O desejo criava as bruxas e isso é contemporâneo.

Estado - A peça da Caroline Gage é totalmente histórica?

Christiane - É perigosamente histórica. Até a dúvida de que ela seria homossexual está nos autos. Há o testemunho de uma amiga, dizem que eram amantes. A autora afirma isso, mas eu não posso afirmar nada ainda. Também não tenho nenhum compromisso com cabeça raspada, há imagens dela com a cabeleira enorme caindo sobre a armadura. Vou fazer a minha Joana Dark - A Re-Volta, ela desmistifica o mito.

Estado - Ela foi estuprada?

Christiane - Há controvérsias. A Igreja não pode dizer que ela foi queimada depois de ter sido violada, senão não pode santificá-la. Assim como o rei não pode ter sido coroado por uma bruxa e então se santifica a mulher. Há um momento no julgamento em que ela negou ouvir vozes, achou que assim iria para uma prisão com mulheres e se livraria da guarda de cinco ingleses. E há suspeitas de que ela teria sido estuprada quando vestiu uma roupa feminina. Afinal ela não vai para a prisão de mulheres: tiram a roupa feminina, ela é obrigada a pôr roupa de homem. Quando veste a segunda pele se lembra de quem é e então diz que ouve vozes, sim.

Estado - E é o fim.

Christiane - As vozes podem ser uma projeção do próprio inconsciente dela, posso projetar meus valores à vontade para fazer a minha Joana. É o testemunho de uma mulher do século 15 que no Brasil vai virar peça no ano 2000.


Espero que gostem.


Fontes: Estado de São Paulo

Programa da Peça Joana Darc - A Re - Volta

Programa do Jô

Entrevista no Canal Brasil

Livro Dama nnos Palcos,guerreira na vida(grupo star)


Postagem By Patty(Pagu)



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